Desafios Educacionais no Brasil

Escrito por Daniel Ordoñez

Traduzido por Christiano Oliveira

O Brasil se destaca como o país de maior biodiversidade do planeta Terra e, com um território de mais de 8,51 milhões de km², é o maior país do continente sul-americano. Desde a sua independência como colônia de Portugal, sua extensão territorial e seus sistemas políticos influenciaram diretamente o desenvolvimento da população, principalmente em como o sistema educacional vem sendo estruturado e projetado. As constantes mudanças sociopolíticas e as circunstâncias econômicas têm sido fatores que influenciam diretamente o sistema educacional do país.

Este artigo descreverá os diferentes mecanismos e fatores que influenciaram a educação no Brasil, bem como as diferentes modificações sofridas ao longo das administrações federais, os projetos em andamento e os desafios enfrentados pelo sistema.

O contexto sociocultural e o sistema educacional

Com a chegada dos colonizadores portugueses ao continente sul-americano, o Brasil mudaria para sempre seu destino histórico, tornando-se a colônia mais importante e o futuro do reino português, além de influenciar a política, a estruturação do Estado brasileiro moderno e sua evolução socioeconômica. A Igreja Católica influenciou fortemente a sociedade brasileira devido ao seu passado como colônia portuguesa. Ao contrário de muitas nações europeias, o Brasil não foi afetado pelas mudanças provocadas pelo movimento da Reforma na Europa.

Durante seus primeiros anos de colonização, o Brasil foi o destino de várias missões jesuítas. Esses missionários estabeleceram as primeiras faculdades e centros educacionais no país. No entanto, no século XVIII, durante o florescimento dos movimentos iluministas, as missões jesuítas foram expulsas do país. Esse período também trouxe reformas no sistema político brasileiro, de acordo com Schwartzman (2006). Essas reformas iluministas levaram à criação do sistema nacional de educação primária do Brasil, o que significou o desmantelamento de grande parte da educação católica no país. Finalmente, vale a pena mencionar que, em 1838, o Colégio Pedro II foi fundado como a primeira escola primária do Rio de Janeiro e representou um marco importante na evolução do sistema educacional do país.

 

Crianças frequentam escola perto de Manaus, Brasil, na região amazônica. Brasil. Foto: https://www.flickr.com/photos/worldbank/3633392178

 

No século XIX, o Brasil era uma sociedade predominantemente rural com um governo altamente centralizado que tentava se adaptar às ideias dos estados-nação europeus. Além disso, a maior parte da população estava em um estado econômico precário, com várias províncias desconectadas e modelos econômicos focados exclusivamente na mineração e na exploração do açúcar (Schwartzman 11, 2006). Uma pequena elite branca de ascendência portuguesa liderava a maior parte do processo decisório, seguida por uma maioria mista de descendentes de escravos, nativos americanos e colonos portugueses.

Durante os séculos XIX e XX, a demografia do país mudou consideravelmente, recebendo um influxo de imigrantes de todos os continentes e países do mesmo hemisfério para substituir a mão de obra escrava que trabalhava nas plantações de café, tabaco e milho e, com a revolução industrial, uma parte considerável da população rural se mudou para as grandes cidades, com a promessa de empregos mais bem remunerados e melhor qualidade de vida. Em meados do século XX, estima-se que 25% da população era alfabetizada, sendo que a educação primária e secundária era responsabilidade do estado local. Imigrantes alemães, japoneses e italianos criaram suas escolas particulares, com forte influência de seus países de origem.

Em 15 de novembro de 1889, o Império foi substituído pelo regime republicano, que promoveu um estado ainda mais moderno, capaz de integrar a comunidade nacional de forma mais coerente, e estabeleceu as primeiras escolas públicas. Durante o processo de industrialização do país, iniciado no final do século XIX, as escolas não tinham um sistema que as unificasse e regulamentasse, o que, de certa forma, promoveu a implementação de políticas de modernização, com foco na criação de “grupos escolares”, utilizando as mais avançadas tecnologias arquitetônicas para a construção de escolas; organizando os alunos de acordo com sua idade e proficiência, seguindo um programa multisseriado e sequencial. Da mesma forma, foram fundadas escolas para a formação de professores profissionais denominadas “escoltas normais”, introduzindo novas técnicas de ensino e treinamento.

Com o governo de Getúlio Vargas, de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954, foram criadas as primeiras reformas fundamentais no sistema educacional, promovendo uma metodologia mais centralizada e criando o Ministério da Educação e Cultura. Durante essa época, a oferta de educação elementar ou primária, que deveria ser obrigatória e de acesso universal, se estendia por quatro anos, acomodando crianças entre 7 e 10 anos de idade. O ginásio sucedeu a essa fase inicial, considerada como ensino secundário, que também durava quatro anos. Por fim, havia a fase do “colégio”, com duração de dois a três anos, concebida como precursora do ensino universitário. Uma característica vital que marcaria o futuro da educação no país foi a falta de interesse governamental em treinar alunos e professores em carreiras técnicas e industriais, o que deixou a porta aberta para o setor privado atender a essa demanda. Em 1931, a primeira legislação para promover universidades foi criada com o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, implementando um modelo educacional francês e um italiano para as faculdades de Filosofia, Ciências e Letras.

Após a ditadura militar, que terminou em 1988, a nova constituição estabeleceu o direito à educação para todos os cidadãos do Brasil, permitindo às universidades autonomia em pesquisa e ensino e promovendo a educação pública gratuita do ensino fundamental ao médio. Posteriormente, em 1996, o Congresso aprovou uma nova reforma que daria às instituições educacionais maior liberdade e flexibilidade na criação de cursos e programas.

Desafios do Sistema Educacional

A tentativa de compreender e interpretar porque a educação no Brasil não progrediu tão rapidamente quanto em outros países depende do contexto histórico. Em resumo, o principal motivo é a ausência de fatores na sociedade brasileira que incentivassem seus cidadãos a estabelecer e nutrir suas instituições acadêmicas. Além disso, tanto em escala nacional quanto regional, o governo brasileiro precisava de mais recursos humanos e financeiros e do impulso necessário para integrar sua população em um sistema educacional uniforme de cima para baixo. Quanto ao desenvolvimento do sistema educacional, duas fortes tendências marcaram sua evolução: a primeira foi a proliferação do ensino fundamental e médio, e a segunda foi o estabelecimento de instituições para conferir competências profissionais e certificações oficiais.

Em seu artigo de 2006 intitulado “The Challenges of Education in Brazil” (Os desafios da educação no Brasil), Simon Schwartzman afirma que o país não tinha um sistema educacional adequadamente desenvolvido devido a vários fatores que dificultaram sua evolução. O domínio da formação de professores foi rebaixado a componentes de menor prestígio das instituições de ensino superior e do setor privado. Ele não cultivou programas robustos de pós-graduação e pesquisa como os das ciências sociais mais acadêmicas, como economia, sociologia, ciência política e ciências naturais.

O isolamento da formação de professores e do tradicional “ensino” de ciências sociais resultou em alguns resultados não intencionais. Isso levou a uma nova geração de professores bem organizados e politicamente motivados que, muitas vezes, precisam de mais habilidades de ensino ou conhecimento do assunto. Muitas vezes, eles precisam de esclarecimentos sobre metodologias ou conteúdo de ensino; surpreendentemente, descartam esses aspectos como insignificantes. Eles percebem a sociedade como injusta, com exploração desenfreada e governos demonstrando apatia em relação aos educadores e à educação. Acreditam que uma mudança significativa só pode ocorrer por meio de uma transformação ou revolução social substancial.

De acordo com Schwartzman, outro fator foi a expansão rápida e descontrolada do sistema educacional sem uma orientação clara e a aposentadoria precoce de muitos professores aposentados, com duas consequências claras. Em primeiro lugar, o ônus financeiro do ensino superior público aumentou drasticamente, o que limitou a capacidade do governo de atender à crescente demanda por ensino superior e manter salários superiores à inflação. Em segundo lugar, apenas uma fração dos indivíduos nomeados possuía a formação e as habilidades necessárias para tarefas acadêmicas avançadas. Para melhorar a qualidade da educação, novas leis foram promulgadas, com o objetivo de promover e aumentar os salários com graus educacionais mais altos, resultando em um crescimento inflacionado de programas de especialização e mestrado.

Outro aspecto essencial a ser destacado é a taxa de jovens que abandonam a educação primária no Brasil. Muitos alunos perdem a motivação para concluir seus estudos primários ou secundários devido à baixa qualidade dos professores e das aulas, ou precisam trabalhar para ganhar dinheiro para si ou para suas famílias. Isso se deve à expansão do sistema acadêmico sem a devida estruturação, com cursos irrelevantes para os jovens ou professores que precisam ser mais motivados.

 

Uma escola na região nordeste do Brasil (Escola Duarte Coelho) Foto de: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:School_in_the_Northeast_of_Brazil.jpg

 

Durante o relatório econômico da OCDE para 2020 e 2021, durante a era Covid-19, foram destacados vários aspectos do sistema educacional que faltam ao Brasil, e foram apresentados desafios sobre seu futuro e evolução. De acordo com o relatório, a composição governamental do país e sua burocracia de dois níveis entre estados e municípios significam que nenhum sistema nacional permite o funcionamento harmônico de papéis e responsabilidades nas diretrizes de como administrar escolas e apresentar uma política educacional coerente. Considerando a estrutura educacional descentralizada do Brasil, que coloca em pé de igualdade os órgãos federais, estaduais e municipais, o estabelecimento de um Sistema Nacional de Educação é complexo. Essa questão, juntamente com as inúmeras propostas mencionadas anteriormente, continua sendo um tema de discussão entre os órgãos governamentais, a sociedade civil e o público em geral.

Outro aspecto destacado pelo relatório da OCDE é a crescente disparidade entre os sistemas de ensino público e privado. Enquanto o sistema público cobre mais de 81% da população jovem, o sistema privado atende à demanda por educação terciária, tecnologia e treinamento universitário. No Brasil, mais de 75% dos alunos de graduação estão matriculados em universidades privadas, em contraste com menos de um terço nos países da OCDE. Nas décadas anteriores, houve um aumento no número de matrículas no setor privado e no número de instituições privadas de ensino superior devido à flexibilização das regulamentações desde o final da década de 1990. Os programas de financiamento do governo, como o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e o Programa “Universidade para Todos” (ProUni), facilitaram o acesso de estudantes carentes a instituições privadas. Entretanto, uma proporção mais significativa de indivíduos menos abastados está matriculada na rede pública de ensino superior em comparação com as instituições privadas (9,7% versus 5,5%). Em geral, o ensino superior é acessado principalmente pelos indivíduos mais favorecidos.

Esses números também são corroborados pelo relatório apresentado pelo Departamento de Comércio dos EUA em 2023, que mostra como as instituições privadas representam a maior parte do sistema educacional, enquanto as instituições públicas se mostram como órgãos pequenos, incapazes de atender à demanda por ensino superior. As instituições públicas de ensino superior são posicionadas como centros de aprendizado e pesquisa de alta qualidade, com procedimentos de admissão extremamente seletivos e capacidades de expansão limitadas. Por outro lado, as instituições de ensino superior privadas criaram um papel distinto, atendendo principalmente às demandas profissionais do mercado de trabalho. Consequentemente, elas formularam programas adaptáveis para atender às exigências da população ativa.

Projetos e políticas recentes

No relatório apresentado pelo UNICEF em 2018, o Brasil apresentou um programa de desenvolvimento do sistema educacional para o ano de 2021. De acordo com as prioridades nacionais e seguindo as diretrizes estabelecidas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, o país focou seus projetos de educação em promover e “facilitar a geração e a troca de conhecimento para identificar as crianças mais excluídas e monitorar e medir o progresso das ações no cumprimento de seus direitos” (UNICEF 4, 2018). Usando a “Teoria da Mudança”, o Brasil se concentrou na criação de parcerias entre entidades públicas e privadas, abrangendo a sociedade civil, a mídia e os setores privados, para garantir o acesso à educação de qualidade para todas as crianças do Brasil, independentemente de seus estratos, etnia ou condições sociais.

Essas políticas impulsionadas pelo UNICEF tinham quatro componentes fundamentais. Em primeiro lugar, “Políticas aprimoradas para crianças excluídas”. Em segundo lugar, “Políticas sociais de qualidade para crianças vulneráveis”. Em terceiro lugar, “Prevenção e resposta a formas extremas de violência”. Além disso, como quarto e último componente, “Cidadania e participação engajadas”.

O relatório final do UNICEF mostrou resultados e progressos em várias facetas da educação no Brasil. Em primeiro lugar, foram reunidas mais evidências sobre as causas do aumento da exclusão de crianças por meio do desenvolvimento da estratégia Busca Ativa Escolar (SAS) e dos programas Caminho Escolar de Sucesso (SSP), usando o sistema SAS para monitorar e medir a identificação e a reintegração de crianças fora da escola.

Como segundo desenvolvimento, foram criados programas especializados para as crianças mais excluídas em nível nacional e subnacional; “pela implementação do SAS, por meio de articulação intersetorial, engajamento da população, diálogo com as famílias e envolvimento das escolas e troca de experiências entre os municípios e estados participantes” (UNICEF 5, 2018).

Em terceiro lugar, a retenção de meninas e meninos no sistema de educação primária aumentou significativamente, graças a políticas intersetoriais que enfatizam a diversidade e incorporam a educação contextualizada. Essas políticas estão incorporadas em uma variedade de iniciativas. Por exemplo, foi realizada uma pesquisa sobre a distorção idade-série e foram produzidos guias práticos para apoiar as estratégias educacionais. Além disso, foi realizado um seminário para apresentar a “Metodologia de Indicadores da Educação Infantil”. Essa iniciativa teve como objetivo promover um estilo de gerenciamento democrático que incentiva a participação de crianças, famílias, professores e funcionários. Um esforço notável é a “Iniciativa Portas Abertas para a Inclusão”, um Curso Online Aberto e Massivo (MOOC). Esse curso orienta como melhorar a inclusão de crianças com deficiências nas escolas, significando uma etapa essencial para a educação inclusiva.

O quarto avanço, apresentado pelo UNICEF, é a melhoria na orientação e nas políticas para a promoção de trajetórias escolares satisfatórias, incluindo crianças e adolescentes que foram vítimas de violência e abandonaram a escola ou estão em risco de abandoná-la, bem como vítimas de trabalho infantil e crianças sem registro civil.

Em quinto lugar, o envolvimento dos cidadãos na defesa dos direitos de meninos e meninas cresceu, principalmente por meio de esforços de defesa pública. A eleição geral no segundo semestre de 2018 foi aproveitada como uma oportunidade única para destacar os direitos de crianças e adolescentes. Isso foi feito por meio da campanha de defesa “More than Promises” (Mais do que promessas), criada em torno de seis questões centrais que os jovens enfrentam. A campanha também propôs ações específicas para que as autoridades eleitas abordassem essas questões, demonstrando uma abordagem proativa para a realização dos direitos das crianças.

Por fim, o relatório afirma que o nível de conhecimento e as oportunidades de mobilização e participação de adolescentes em fóruns públicos de tomada de decisão aumentaram significativamente. Esse crescimento tem sido particularmente evidente em ações que visam aprimorar o desenvolvimento e a participação de adolescentes e jovens em vários debates. Os principais tópicos incluem o uso seguro da Internet e questões de gênero. Como resultado desses esforços, mais de 30.000 adolescentes foram autorizados a participar do programa Busca Ativa Escolar em 2019, refletindo um aumento notável no engajamento dos jovens.

Imagem da capa por Matheus Câmara da Silva em https://unsplash.com/photos/6MA7HufwJkI?utm_source=unsplash&utm_medium=referral&utm_content=creditCopyText

 

Referências

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